segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Fichamento do texto "Ensinar, aprender, apreender e processos de ensinagem.

Autora do texto completo: Léa das Graças Camargos Anastasiou

1. Ensinar
Um dos elementos básicos de discussão da ação docente refere-se ao ensinar, ao aprender e ao apreender. Essas ações são muitas vezes consideradas e executadas como ações disjuntas, ouvindo-se até de professores afirmações do tipo: “eu ensinei, o aluno é que não aprendeu”.
Isso decorre da idéia de que ensinar é apresentar ou explicar o conteúdo numa exposição, o que a grande maioria dos docentes procura fazer com a máxima habilidade de que dispõe; daí a busca por técnicas de exposição ou oratória, como elementos essenciais para a competência docente. Historicamente, sabe-se que o modelo jesuítico, presente desde o início da colonização do Brasil pelos portugueses, apresentava em seu manual, Ratio Studiorim – datado de 15991 -, os três passos básicos de uma aula: preleção do conteúdo pelo professor, levantamento de dúvidas dos alunos e exercícios de fixação, cabendo ao aluno a memorização para a prova.
A compreensão do que seja ensinar é um elemento fundamental nesse processo. O verbo ensinar, do latim insugnare, significa marcar com um sinal, que deveria ser de vida, busca e despertar para o conhecimento. Na realidade da sala de aula, ppode ocorrer a compreensão, ou não, do conteúdo pretendido, a adesão, ou não, as formas de pensamentos mais evoluídas, a mobilização, ou não, para outras ações de estudo e de aprendizagem. Como outros verbos de ação, ensinar contém, em si, duas dimensões: uma utilização intencional e uma de resultado, ou seja, a intenção de ensinar e a efetivação dessa meta pretendida.

1. 2 Aprender e apreender
Existe também uma diferença entre aprender a apreender, embora nos dois verbos exista a relação entre os sujeitos e o conhecimento. O apreender, do latim apprehendere, significa segurar, prender, pegar, assimilar mentalmente, entender, compreender, agarrar. Não se trata de um verbo passivo; para apreender é preciso agir, exercitar-se, informar-se, tomar para si, apropriar-se, entre outros fatores. O verbo aprender, derivado de apreender por síncope, significa tomar conhecimento, reter na memória mediante estudo, receber a informação de…
É preciso distinguir quais ações estão presentes na meta que estabelecemos ao ensinar. Se nossa meta se refere à apropriação do conhecimento pelo aluno, para além do simples repasse da informação, é preciso se reorganizar, superando o aprender, que tem se resumido em processo de memorização, na direção do apreender, segurar, apropriar, agarrar, prender, pegar, assimilar mentalmente, entender e compreender.
Daí a necessidade atual de se revisar o “assistir a aulas”, pois a ação de apreender não é passiva. O agarrar por parte do aluno exige ação constante e consciente: informar-se, exercitar-se, instruir-se. O assistir ou dar aulas precisa ser substituído pela ação conjunta do fazer aulas. Nesse fazer aulas é que surgem as necessárias formas de atuação do professor com o aluno sobre o objeto de estudo e a definição, escolha e efetivação de estratégias diferenciadas que facilitem esse novo fazer.

1.3 Processo de ensinagem
Foi diante dessas reflexões que surgiu o termo ensinagem, usado então para indicar uma prática social complexa efetivada entre os sujeitos, professor e aluno, englobando tanto a ação de ensinar quanto a de apreender, em um processo contratual, de parceria deliberada e consciente para o enfrentamento na construção do conhecimento escolar, decorrente de ações efetivadas na sala de aula e fora dela.
Nesse contexto, é fundamental a mediação docente, que prepara e dirige as atividades e as ações necessárias e buscadas nas estratégias selecionadas, levando os alunos ao desenvolvimento de processos de mobilização, construção e elaboração da síntese do conhecimento (Vasconcellos, 1994). Situamos, assim, as estratégias como ferramentas de trabalho, definidas pelos docentes e/ou pelo contrato didático, estabelecido no início do ano ou semestre, fase, módulo, etc.

1. 4 Processo de ensinagem: o movimento necessário
Para entender o movimento do pensamento, é importante retomar os elementos da metodologia tradicional. Como a inteligência era associada à memorização, o trabalho docente se dirigia à explanação do conteúdo e à manutenção da atenção do aluno. A exposição era o centro do processo, acompanhado da anotação e memorização: a estratégia predominante era a da aula expositiva tradicional.
O movimento pretendido era o de encaminhamento do estudante na direção de ações que garantissem a aprendizagem, tal como era vista na época.
Pela proposta atual, no processo de ensinagem a ação de ensinar era diretamente relacionada à ação de apreender, tendo como meta a apropriação tanto do conteúdo quanto do processo. As orientações pedagógicas não se referem mais a passos a serem seguidos, mas a momentos a serem construídos pelos sujeitos em ação, respeitando sempre o movimento do pensamento. Diferentemente dos passos, que devem acontecer um após o outro, os movimentos não acorrem de forma estanque, fazendo parte do processo de pensamento.

1. 5 O movimento e o método dialético: breve incursão
A discussão acerca do movimento existente na natureza e, por conseqüência, no própria pensar humano precisa considerar uma diferenciação na lógica que vem fundamentando historicamente a ciência e o seu avanço. Se a ciência é buscada e explicitada por uma teoria fiolosófica e se o conhecimento gerado é derivado dela, é preciso ter clara essa lógica. Ela vai fundamentar e direcionar o conteúdo que por sua vez irá interferir na organização ou na forma de apropriação do conhecimento.
Pontuamos que a lógica formal representa uma síntese importante que possibilita a organização e a explicitação do conhecimento obtido em cada momento histórico, oferecendo ferramentas essenciais para o trabalho docente. Se o professor subsidiar sua ação docente apenas nessa lógica, organizará situações de apresentação do conhecimento, geralmente, em aula expositiva, mas quando tem a visão da necessidade das outras etapas organiza atividades com as quais o aluno possa generalizar, diferenciar, abstrair e simbolizar os conceitos trabalhados.
A lógica dialética considera que, além dos princípios de identidade e negação, na base do processo de construção do conhecimento estão os princípios de movimento, contradição, existência de uma visão inicial e sincrética trazido pelo aluno e de uma possibilidade de análise intencional e sistemática, visando à construção de sínteses, sempre provisórias, a serem efetivadas no processo do pensar humano, em ação conjunta de alunos e professores.
Portanto, o processo de reflexão mediatiza a apreensão da realidade, devendo-se considerar que o momento de chegada ao símbolo, etapa final do ensino baseado na lógica formal, se torna ponto intermediário do processo de apreensão pela lógica dialética. É necessário realizar todo um “caminho de volta”, do símbolo a ser confrontado com a realidade para a teoria existente.
Esses elementos, conduzem a um posicionamento acerca da visão de conhecimento da qual decorre uma ação diferenciada no processo de ensino-aprendizagem. Se os elementos da lógica formal devem ser superados pelas contribuições da lógica dialética, por incorporação e não por rejeição, também o serão na construção da didática necessária em sala de aula, hoje, na universidade.
O processo de reflexão sistemática mediatiza a apreensão da realidade, devendo se considerar que o momento de chegada ao símbolo, proposto por Herbart (1820, apud Saviani, 1982) como passo final no ensino tradicional, se torna o momento intermediário do processo de apreensão via dialética: é necessário realizar todo um “caminho de volta”, do símbolo pela realidade e para a teoria existente.

1. 6 As operações de pensamento
Num estudo sobre operações de pensamento, encontra-se o pensar como forma de perguntar pelos fatos, estudando-os em direção aos objetivos, havendo assim um caráter intencional. Quando nos debruçamos sobre qualquer aprendizado, para além da simples memorização, todos nós efetivamos várias dessas operações de pensamento. Mas muitas vezes, até por desconhecimento, não refletimos sobre os desafios contidos nas diversas atividades propostas aos alunos. Se tivermos a clareza da complexidade delas e a intencionalidade de desafiarmos progressivamente nossos alunos na direção da construção do pensamento cada vez mais complexo, integrativo, flexibilizado, será impossível prever até onde chegaremos nos processos de ensinagem…
Essas operações estão também presentes nas ações que operacionalizamos com os alunos, nos três momentos propostos na metodologia dialética: mobilização, construção e elaboração da síntese do conhecimento, visando ao conhecimento da visão inicial ou sincrética, à efetivação da análise e à busca de uma síntese qualitativamente superior.
Raths et al. (1977) destacam os comportamentos que dificultam o pensar; citam a impulsividade, a excessiva dependência em relação ao professor, a incapacidade para concentrar-se, a incapacidade para ver o significado, os processos de rigidez e inflexibilidade de comportamento, além da falta de disposição para pensar. São elementos que interferem nas novas formas de organizar o processo de ensinagem.
Pontuamos que um dos grandes desafios do professor universitário é o de selecionar, a partir do campo científico em que atua, os conteúdos, os conceitos e as relações; em outras palavras, a rede pretendida, composta por elementos a serem apreendidos.

OPERAÇÃO

DE

PENSAMENTO

CONCEITO/RELAÇÕES
Comparação
Examinar dois ou mais objetos ou processos com intenção de identificar relações mútuas, pontos de acordo e desacordo. Supera a simples recordação, enquanto ação de maior envolvimento do aluno.
Resumo
Apresentar de forma condensada a substância do que foi apreciado. Pode ser combinado com a comparação.
Observação
Prestar atenção em algo, anotando cuidadosamente. Examinar minuciosamente, olhar com atenção, estudar. Sob a idéia de observar existe o procurar, identificar, notar e perceber. É uma forma de descobrir informação. Compartilhada, amplia o processo discriminativo. Exige objetivos definidos, podendo ser anotada, esquematizada, resumida e comparada.
Classificação
Colocar em grupos, conforme princípios, dando ordem à existências. Exige análise e síntese, por conclusões próprias.
Interpretação
Processo de atribuir ou negar sentido à experiência, exigindo argumentação para defender o ponto proposto. Exige respeito aos dados e atribuição de importância, causalidade, validade e representatividade. Pode levar a uma descrição inicial para depois haver uma interpretação do significado percebido.
Crítica
Efetivar julgamento, análise e avaliação, realizando o exame crítico das qualidades, defeitos, limitações. Segue referência a um padrão ou critério.
Busca de suposições
Supor é aceitar algo sem discussão, podendo ser verdadeiro ou falso. Temos que supor sem confirmação nos fatos. Após exame cuidadoso, pode-se verificar quais as suposições decisivas, o que exige discriminação.
Imaginação
Imaginar é Ter alguma idéia sobre algo que não está presente, percebendo mentalmente o que não foi totalmente percebido. É uma forma de criatividade, liberta dos fatos e da realidade. Vai além da realidade, dos fatos e da experiência. Socializar o imaginado introduz flexibilidade às formas de pensamento.
Obtenção e organização dos dados
Obter e organizar dados é a base de uma trabalho independente; exige objetivos claros, análise de pistas, plano de ação, definição de tarefas-chave, definição e seleção de respostas e de tratamento delas, organização e apresentação do material coletado. Requer identificação, comparação, análise, síntese, resumo, observação, classificação, interpretação, crítica, suposições, imaginação, entre outros.
Levantamento de hipóteses
Propor algo apresentado como possível solução para um problema. Forma de fazer algo, esforço para explicar como algo atua, sendo guia para tentar solução de um problema. Proposição provisória ou palpite com verificação intelectual e inicial da idéia. As hipóteses constituem interessante desafio ao pensar no aluno.
Aplicação de fatos e princípios a novas situações
Solucionar problemas e desafios, aplicando aprendizados anteriores, usando a capacidade de transferências, aplicações e generalizações ao problema novo.
Decisão
Agir a partir de valores aceitos e adotados na escolha, possibilitando a análise e consciência deles. A escolha é facilitada quando há comparação, observação, imaginação e ajuizamento, por exemplo.
Planejamento de projetos e pesquisas
Projetar é lançar idéias, intenções, utilizando-se de esquema prelimina, plano, grupo, definição de tarefas, etapas, divisão e integração de trabalho, questão ou problema, identificação das questões norteadoras, definição de abrangência, de fontes, definição de instrumentos de coleta de dados, validação de dados e respostas, etapas e cronograma. Requer assim, identificação, comparação, resumo, observação, interpretação, busca de suposições, aplicação de princípios, decisão, imaginação e crítica.

Esse desafio, além das considerações já tecidas sobre as exigências dos processos de pensamento, também se dá devido a complexidade, heterogeneidade, singularidade e flexibilidade do conhecimento produzido e em produção, uma vez que a ciência está em constante construção. Após essas escolhas, que direcionam o processo proposto, tendo como referência a metodologia dialética, o professor define as estratégias.
É essencial o processo de análise realizado em aula com a mediação do professor, que deliberadamente planeja, propõe e coordena estratégias compostas por suas ações e dos alunos, visando à superação da visão sincrética inicial por percepções, visões e ações cada vez mais elaboradas. Isso requer, por parte dos estudantes, um processo de apropriação ativa e consciente dos conhecimentos, dos fundamentos das ciências e de sua aplicação prática.
Por isso, a ação de ensinar não pode se limitar à simples exposição dos conteúdos, incluindo necessariamente um resultado bem-sucedido daquilo que se pretende fazer, no caso a apropriação do objeto de estudo.
1. 7 Dos passos aos momentos
A partir da década de 1980, encontramos em Saviani (1982) uma crítica ao modelo de ensino por passos, com uma reorientação para os momentos. O autor nos sugere cinco momentos a serem considerados no trabalho de construção dos conhecimentos com os alunos. Pontuamos que os momentos são destacados para que, didaticamente, possamos refletir sobre eles, mas não ocorrem de modo estanque.
Destacando-os, teremos os que se seguem: é fundamental considerar-se a prática social do aluno, partindo da percepção que o aluno traz do objeto de estudo, de sua realidade para a aula. Essa prática social ou visão será problematizada, ou seja, será submetida a um processo crítico de questionamento. Para a resposta a esses questionamentos, a instrumentalização é um momento necessário. Nele, as sínteses já existentes na ciência dão suporte para as buscas realizadas. Outro momento refere-se à interiorização dos novos elementos ou conteúdos pela catarse, para finalmente se chegar à prática social reelaborada, favorecendo ao aluno construir novos elementos perceptivos com os conteúdos apreendidos, por meio das situações organizadas pelo professor.

1. 8 Na busca de uma síntese possível
O processo de ensinagem se efetivará nesse trabalho conjunto, na parceria dos professores entre si com os alunos, numa nova aventura do ensinar e apreender, do saborear na sala de aula da universidade.
Nisso está contido o desafio, uma aventura e um compromisso da conquista do conhecimento, com posicionamento de sedução e parceria, na direção de um fazer solidário. Por tudo isso, consideramos a ensinagem como desafio a uma ação docente inovadora e comprometida.




Fichamento feito por Najla Almeida, a partir de contribuições dos grupos de trabalho da turma de Didática Geral.

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