Autora do texto completo: Léa das Graças Camargos Anastasiou
1.
Ensinar
Um
dos elementos básicos de discussão da ação docente refere-se ao
ensinar, ao aprender e ao apreender. Essas ações são muitas vezes
consideradas e executadas como ações disjuntas, ouvindo-se até de
professores afirmações do tipo: “eu ensinei, o aluno é que não
aprendeu”.
Isso
decorre da idéia de que ensinar é apresentar ou explicar o conteúdo
numa exposição, o que a grande maioria dos docentes procura fazer
com a máxima habilidade de que dispõe; daí a busca por técnicas
de exposição ou oratória, como elementos essenciais para a
competência
docente.
Historicamente, sabe-se que o modelo jesuítico, presente desde o
início da colonização do Brasil pelos portugueses, apresentava em
seu manual, Ratio
Studiorim
– datado de 15991
-, os três passos básicos de uma aula: preleção do conteúdo pelo
professor, levantamento de dúvidas dos alunos e exercícios de
fixação, cabendo ao aluno a memorização para a prova.
A
compreensão do que seja ensinar é um elemento fundamental nesse
processo. O verbo ensinar, do latim insugnare, significa
marcar com um sinal, que deveria ser de vida, busca e despertar para
o conhecimento. Na realidade da sala de aula, ppode ocorrer a
compreensão, ou não, do conteúdo pretendido, a adesão, ou não,
as formas de pensamentos mais evoluídas, a mobilização, ou não,
para outras ações de estudo e de aprendizagem. Como outros verbos
de ação, ensinar contém, em si, duas dimensões: uma utilização
intencional e uma de resultado, ou seja, a intenção de ensinar
e a efetivação dessa meta pretendida.
1.
2 Aprender e apreender
Existe
também uma diferença entre aprender a apreender, embora nos dois
verbos exista a relação entre os sujeitos e o conhecimento. O
apreender, do latim apprehendere, significa segurar, prender,
pegar, assimilar mentalmente, entender, compreender, agarrar.
Não se trata de um verbo passivo; para apreender é preciso agir,
exercitar-se, informar-se, tomar para si, apropriar-se, entre outros
fatores. O verbo aprender, derivado de apreender por síncope,
significa tomar conhecimento, reter na memória mediante estudo,
receber a informação de…
É
preciso distinguir quais ações estão presentes na meta que
estabelecemos ao ensinar. Se nossa meta se refere à apropriação do
conhecimento pelo aluno, para além do simples repasse da informação,
é preciso se reorganizar, superando o aprender, que tem se
resumido em processo de memorização, na direção do apreender,
segurar, apropriar, agarrar, prender, pegar, assimilar
mentalmente, entender e compreender.
Daí
a necessidade atual de se revisar o “assistir a aulas”,
pois a ação de apreender não é passiva. O agarrar por
parte do aluno exige ação constante e consciente: informar-se,
exercitar-se, instruir-se. O assistir ou dar aulas
precisa ser substituído pela ação conjunta do fazer aulas.
Nesse fazer aulas é que surgem as necessárias formas de atuação
do professor com o aluno sobre o objeto de estudo e a definição,
escolha e efetivação de estratégias diferenciadas que facilitem
esse novo fazer.
1.3
Processo de ensinagem
Foi
diante dessas reflexões que surgiu o termo ensinagem, usado então
para indicar uma prática social complexa efetivada entre os
sujeitos, professor e aluno, englobando tanto a ação de ensinar
quanto a de apreender, em um processo contratual, de parceria
deliberada e consciente para o enfrentamento na construção do
conhecimento escolar, decorrente de ações efetivadas na sala de
aula e fora dela.
Nesse
contexto, é fundamental a mediação docente, que prepara e dirige
as atividades e as ações necessárias e buscadas nas estratégias
selecionadas, levando os alunos ao desenvolvimento de processos de
mobilização, construção e elaboração da síntese do
conhecimento (Vasconcellos, 1994). Situamos, assim, as estratégias
como ferramentas de trabalho, definidas pelos docentes e/ou pelo
contrato didático, estabelecido no início do ano ou semestre, fase,
módulo, etc.
1.
4 Processo de ensinagem: o movimento necessário
Para
entender o movimento do pensamento, é importante retomar os
elementos da metodologia tradicional. Como a inteligência era
associada à memorização, o trabalho docente se dirigia à
explanação do conteúdo e à manutenção da atenção do aluno. A
exposição era o centro do processo, acompanhado da anotação e
memorização: a estratégia predominante era a da aula expositiva
tradicional.
O
movimento pretendido era o de encaminhamento do estudante na direção
de ações que garantissem a aprendizagem, tal como era vista na
época.
Pela
proposta atual, no processo de ensinagem a ação de ensinar era
diretamente relacionada à ação de apreender,
tendo como meta a
apropriação tanto do conteúdo quanto do processo. As orientações
pedagógicas não se referem mais a passos
a serem seguidos, mas a momentos
a serem construídos pelos sujeitos em ação,
respeitando sempre o movimento do pensamento. Diferentemente dos
passos,
que devem acontecer um após o outro, os movimentos
não acorrem de forma estanque, fazendo parte do processo de
pensamento.
1.
5 O movimento e o método dialético: breve incursão
A
discussão acerca do movimento existente na natureza e, por
conseqüência, no própria pensar humano precisa considerar uma
diferenciação na lógica que vem fundamentando historicamente a
ciência e o seu avanço. Se a ciência é buscada e explicitada por
uma teoria fiolosófica e se o conhecimento gerado é derivado dela,
é preciso ter clara essa lógica. Ela vai fundamentar e direcionar o
conteúdo que por sua vez irá interferir na organização ou na
forma de apropriação do conhecimento.
Pontuamos
que a lógica formal representa uma síntese importante que
possibilita a organização e a explicitação do conhecimento obtido
em cada momento histórico, oferecendo ferramentas essenciais para o
trabalho docente. Se o professor subsidiar sua ação docente apenas
nessa lógica, organizará situações de apresentação do
conhecimento, geralmente, em aula expositiva, mas quando tem a visão
da necessidade das outras etapas organiza atividades com as quais o
aluno possa generalizar, diferenciar, abstrair e simbolizar os
conceitos trabalhados.
A
lógica dialética considera que, além dos princípios de identidade
e negação, na base do processo de construção do conhecimento
estão os princípios de movimento, contradição, existência de uma
visão inicial e sincrética trazido pelo aluno e de uma
possibilidade de análise intencional e sistemática, visando à
construção de sínteses, sempre provisórias, a serem efetivadas no
processo do pensar humano, em ação conjunta de alunos e
professores.
Portanto,
o processo de reflexão mediatiza a apreensão da realidade,
devendo-se considerar que o momento de chegada ao símbolo, etapa
final do ensino baseado na lógica formal, se torna ponto
intermediário do processo de apreensão pela lógica dialética. É
necessário realizar todo um “caminho de volta”, do símbolo a
ser confrontado com a realidade para a teoria existente.
Esses
elementos, conduzem a um posicionamento acerca da visão de
conhecimento da qual decorre uma ação diferenciada no processo de
ensino-aprendizagem. Se os elementos da lógica formal devem ser
superados pelas contribuições da lógica dialética, por
incorporação e não por rejeição, também o serão na construção
da didática necessária em sala de aula, hoje, na universidade.
O
processo de reflexão sistemática mediatiza a apreensão da
realidade, devendo se considerar que o momento de chegada ao símbolo,
proposto por Herbart (1820, apud
Saviani, 1982) como passo
final no ensino tradicional, se torna o momento intermediário do
processo de apreensão via dialética: é necessário realizar todo
um “caminho de volta”, do símbolo pela realidade e para a teoria
existente.
1.
6 As operações de pensamento
Num
estudo sobre operações de pensamento, encontra-se o pensar como
forma de perguntar pelos fatos, estudando-os em direção aos
objetivos, havendo assim um caráter intencional. Quando nos
debruçamos sobre qualquer aprendizado, para além da simples
memorização, todos nós efetivamos várias dessas operações de
pensamento. Mas muitas vezes, até por desconhecimento, não
refletimos sobre os desafios contidos nas diversas atividades
propostas aos alunos. Se tivermos a clareza da complexidade delas e a
intencionalidade de desafiarmos progressivamente nossos alunos na
direção da construção do pensamento cada vez mais complexo,
integrativo, flexibilizado, será impossível prever até onde
chegaremos nos processos de ensinagem…
Essas
operações estão também presentes nas ações que
operacionalizamos com os alunos, nos três momentos propostos na
metodologia dialética: mobilização, construção e elaboração da
síntese do conhecimento, visando ao conhecimento da visão inicial
ou sincrética, à efetivação da análise e à busca de uma síntese
qualitativamente superior.
Raths
et al. (1977) destacam os comportamentos que dificultam o
pensar; citam a impulsividade, a excessiva dependência em relação
ao professor, a incapacidade para concentrar-se, a incapacidade para
ver o significado, os processos de rigidez e inflexibilidade de
comportamento, além da falta de disposição para pensar. São
elementos que interferem nas novas formas de organizar o processo de
ensinagem.
Pontuamos
que um dos grandes desafios do professor universitário é o de
selecionar, a partir do campo científico em que atua, os conteúdos,
os conceitos e as relações; em outras palavras, a rede pretendida,
composta por elementos a serem apreendidos.
OPERAÇÃODEPENSAMENTO |
CONCEITO/RELAÇÕES
|
Comparação
|
Examinar
dois ou mais objetos ou processos com intenção de identificar
relações mútuas, pontos de acordo e desacordo. Supera a simples
recordação, enquanto ação de maior envolvimento do aluno.
|
Resumo
|
Apresentar
de forma condensada a substância do que foi apreciado. Pode ser
combinado com a comparação.
|
Observação
|
Prestar
atenção em algo, anotando cuidadosamente. Examinar
minuciosamente, olhar com atenção, estudar. Sob a idéia de
observar existe o procurar, identificar, notar e perceber. É uma
forma de descobrir informação. Compartilhada, amplia o processo
discriminativo. Exige objetivos definidos, podendo ser anotada,
esquematizada, resumida e comparada.
|
Classificação
|
Colocar
em grupos, conforme princípios, dando ordem à existências.
Exige análise e síntese, por conclusões próprias.
|
Interpretação
|
Processo
de atribuir ou negar sentido à experiência, exigindo
argumentação para defender o ponto proposto. Exige respeito aos
dados e atribuição de importância, causalidade, validade e
representatividade. Pode levar a uma descrição inicial para
depois haver uma interpretação do significado percebido.
|
Crítica
|
Efetivar
julgamento, análise e avaliação, realizando o exame crítico
das qualidades, defeitos, limitações. Segue referência a um
padrão ou critério.
|
Busca
de suposições
|
Supor
é aceitar algo sem discussão, podendo ser verdadeiro ou falso.
Temos que supor sem confirmação nos fatos. Após exame
cuidadoso, pode-se verificar quais as suposições decisivas, o
que exige discriminação.
|
Imaginação
|
Imaginar
é Ter alguma idéia sobre algo que não está presente,
percebendo mentalmente o que não foi totalmente percebido. É uma
forma de criatividade, liberta dos fatos e da realidade. Vai além
da realidade, dos fatos e da experiência. Socializar o imaginado
introduz flexibilidade às formas de pensamento.
|
Obtenção
e organização dos dados
|
Obter
e organizar dados é a base de uma trabalho independente; exige
objetivos claros, análise de pistas, plano de ação, definição
de tarefas-chave, definição e seleção de respostas e de
tratamento delas, organização e apresentação do material
coletado. Requer identificação, comparação, análise, síntese,
resumo, observação, classificação, interpretação, crítica,
suposições, imaginação, entre outros.
|
Levantamento
de hipóteses
|
Propor
algo apresentado como possível solução para um problema. Forma
de fazer algo, esforço para explicar como algo atua, sendo guia
para tentar solução de um problema. Proposição provisória ou
palpite com verificação intelectual e inicial da idéia. As
hipóteses constituem interessante desafio ao pensar no aluno.
|
Aplicação
de fatos e princípios a novas situações
|
Solucionar
problemas e desafios, aplicando aprendizados anteriores, usando a
capacidade de transferências, aplicações e generalizações ao
problema novo.
|
Decisão
|
Agir
a partir de valores aceitos e adotados na escolha, possibilitando
a análise e consciência deles. A escolha é facilitada quando há
comparação, observação, imaginação e ajuizamento, por
exemplo.
|
Planejamento
de projetos e pesquisas
|
Projetar
é lançar idéias, intenções, utilizando-se de esquema
prelimina, plano, grupo, definição de tarefas, etapas, divisão
e integração de trabalho, questão ou problema, identificação
das questões norteadoras, definição de abrangência, de fontes,
definição de instrumentos de coleta de dados, validação de
dados e respostas, etapas e cronograma. Requer assim,
identificação, comparação, resumo, observação,
interpretação, busca de suposições, aplicação de princípios,
decisão, imaginação e crítica.
|
Esse
desafio, além das considerações já tecidas sobre as exigências
dos processos de pensamento, também se dá devido a complexidade,
heterogeneidade, singularidade e flexibilidade do conhecimento
produzido e em produção, uma vez que a ciência está em constante
construção. Após essas escolhas, que direcionam o processo
proposto, tendo como referência a metodologia dialética, o
professor define as estratégias.
É
essencial o processo de análise realizado em aula com a mediação
do professor, que deliberadamente planeja, propõe e coordena
estratégias compostas por suas ações e dos alunos, visando à
superação da visão sincrética inicial por percepções, visões e
ações cada vez mais elaboradas. Isso requer, por parte dos
estudantes, um processo de apropriação ativa e consciente dos
conhecimentos, dos fundamentos das ciências e de sua aplicação
prática.
Por
isso, a ação de ensinar não pode se limitar à simples exposição
dos conteúdos, incluindo necessariamente um resultado
bem-sucedido daquilo que
se pretende fazer, no caso a apropriação do objeto de estudo.
1.
7 Dos passos aos momentos
A
partir da década de 1980, encontramos em Saviani (1982) uma crítica
ao modelo de ensino por
passos, com uma
reorientação para os momentos.
O autor nos sugere cinco momentos a serem considerados no trabalho de
construção dos conhecimentos com os alunos. Pontuamos que os
momentos
são destacados para que, didaticamente, possamos refletir sobre
eles, mas não ocorrem de modo estanque.
Destacando-os,
teremos os que se seguem: é fundamental considerar-se a prática
social do aluno,
partindo da percepção que o aluno traz do objeto de estudo, de sua
realidade para a aula. Essa prática social ou visão será
problematizada,
ou seja, será submetida a um processo crítico de questionamento.
Para a resposta a esses questionamentos, a instrumentalização
é um momento necessário. Nele, as sínteses já existentes na
ciência dão suporte para as buscas realizadas. Outro momento
refere-se à interiorização dos novos elementos ou conteúdos pela
catarse,
para finalmente se chegar à
prática social reelaborada,
favorecendo ao aluno construir novos elementos perceptivos com os
conteúdos apreendidos, por meio das situações organizadas pelo
professor.
1.
8 Na busca de uma síntese possível
O
processo de ensinagem se efetivará nesse trabalho conjunto, na
parceria dos professores entre si com os alunos, numa nova aventura
do ensinar e apreender, do saborear na sala de aula da universidade.
Nisso
está contido o desafio, uma aventura e um compromisso da conquista
do conhecimento, com posicionamento de sedução e parceria, na
direção de um fazer solidário. Por tudo isso, consideramos a
ensinagem como desafio a uma ação docente inovadora e comprometida.
Fichamento feito por Najla Almeida, a partir de contribuições dos grupos de trabalho da turma de Didática Geral.
RAM
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